Universidades e Petrobrás: o mesmo ataque e os mesmos fins, por Frederico Firmo

Publicado no Jornal GGN.


A Universidade Pública brasileira é o centro da produção do conhecimento e de inovações no país. Seja pelos resultados obtidos através de seus formandos, seja através da produção científica e tecnológica em áreas como matemática, física, química, biologia, engenharias, nas ciências da saúde, na biotecnologia, na genética na agricultura etc... ou através de seus pensadores, sociólogos, filósofos, linguistas, educadores, economistas e até juristas. Tudo e todos em todas as áreas, das mais desenvolvidas às mais incipientes, o país formou através de suas universidades.

O conhecimento é o bem mais precioso. E no mundo de hoje, não se fala apenas de detentores dos meios de produção, hoje a luta central está focada na apropriação do conhecimento. Se trata de ter uma massa crítica de pessoas capacitadas para se apropriar do conhecimento produzido em todo o mundo e ou capaz de produzir novos conhecimentos. Mimetizando a produção científica, onde a importância de um pesquisador é tão maior quanto maior forem suas contribuições publicizadas através de artigos, a produção tecnológica de hoje segue nesta mesma linha. Mais do que segredos e patentes, os detentores da tecnologia e da inovação constituem em suas organizações estruturas de geração e produção de conhecimento. Elas são constituídas por pesquisadores, cientistas, engenheiros tecnólogos, sociólogos, antropoólogos etc… De forma orgânica formam com as universidades uma estrutura maior de conhecimento, que forma novas gerações e criam uma massa crítica capaz de se apropriar do conhecimento produzido em qualquer lugar do mundo. 

Como na produção de software, os grandes do ramo vivem do que suas estruturas de conhecimento podem digerir, traduzir e criar a partir do que é publicamente produzido pelo movimento do software livre. A criação desta massa crítica depende da existência deste corpo orgânico, isto é da existência de um sistema de geração produção e apropriação do conhecimento baseado sobretudo nas universidades. Em nosso país onde a burguesia jamais fez sua revolução industrial, com raras exceções, se tem uma elite que não tem apreço pela formação dessa massa crítica e prefere estar sempre associada ao capital financeiro. Quando se refere ao conhecimento o pensa como um bem que deve gerar lucro amanhã. E esconde a ignorância e a ganância por trás de palavras como eficiência e equilíbrio de contas e mercado. A nossa agroindústria não se deve aos Ruralistas, mas sim às pesquisas e o conhecimento desenvolvido e criado em nossos centros e Institutos de pesquisa como Embrapa, Universidades Públicas e ou Empresas Estatais. Poderíamos aqui continuar a lista dos avanços gerados na área da Saúde e nas humanidades etc…, mas voltemos ao golpe.

A maior riqueza da Petrobrás não é o pré-sal, mas sim o conhecimento que levou à sua descoberta unida ao desenvolvimento de uma tecnologia única para a sua exploração. A Petrobrás é a demonstração mais crua dos interesses deste golpe. Em primeiro lugar, em vez de localizadamente investigar prender e punir corruptos, jogaram o nome da empresa na lama. Desviaram toda a atenção para questões de corrupção, criando uma imagem perdulária. Criando a imagem da companhia ineficaz e corrupta. E todos sabemos que se assim o fosse jamais a Petrobrás seria uma das maiores petrolíferas do mundo.

Durante todo este golpe, jamais falaram do sucesso tecnológico, dos desenvolvimentos de pesquisa, nem da estrutura de conhecimento científico e tecnológico formado por uma massa crítica de pesquisadores, técnologos e técnicos, desta companhia estatal. Tudo isto foi cuidadosamente escondido durante este golpe. Magnificando perdas pela corrupção, deslocaram as discussões, para balanços financeiros e questões de gestão, como se Parente tivesse sido algum dia um gestor de Petroleiras. Apenas o golpismo desenfreado colocaria uma pessoa incompetente, especialista em contas de socialites, e fora do ramo para gerir uma das maiores petroleiras do mundo. Mas esta pessoa foi aí colocada com o objetivo de destruir, e depois vender a preço de banana. Mas o pior ainda está por vir, pois além dos poços, as companhias que os compraram, precisam ter o conhecimento e a tecnologia desenvolvida pela Petrobrás. E podem estar seguros que Parente e companhia devem estar manipulando acordos, que vão entregar o conhecimento desenvolvido pela Petrobrás e pelo Brasil. Isto já esta devidamente acordado, e apenas por isso as grandes participaram do leilão.

Agora se voltam para as Universidades Públicas. Já na última lei de Inovação de lei Tecnológica, criaram mecanismos para que as consultorias e prestações de serviço da universidade às empresas sejam tão ou mais valorizadas do que a produção científica e acadêmica. E quando digo acadêmica, falo também de produção acadêmica de tecnologia. Em um país onde as empresas não tem setores de desenvolvimento e pesquisa, (com exceções), as empresas se aproximam da universidade para, utilizando os aparelhos sofisticados e o conhecimento profundo dos pesquisadores, solicitar que resolvam seus problemas cotidianos. Não se trata de se posicionar contra a aproximação com a indústria, mas devemos estar certos de que só e apenas quando as indústrias tiverem em suas estruturas setores de pesquisa e desenvolvimento, com contratação de pesquisadores, doutores e com laboratórios, é que poderão estabelecer uma relação produtiva e não apenas oportunista com a universidade. As consultorias podem se tornar um grande negócio, mas pode ser profundamente danosa ao país e à universidade.

Esta valorização das consultorias pode vir em detrimento da produção e geração de novos conhecimentos, assim como da pesquisa básica que não está atrelada a algum interesse imediato de empresas. Isto se conjuga com a idéia de transformar as universidades em Organizações sociais. Isto as obrigaria a buscar financiamento e captar dinheiro no setor privado. Isto provavelmente vai matar a Universidade enquanto geradora de conhecimentos e vai transformá-la numa Empresa de Serviços. Alías a pedra já foi lançada, com a criação da EMBRAPII. (vide artigo aqui no GGN)

Usando a mesma tática que usaram na Petrobrás, a universidade agora se encontra sob ataques e mais ataques sob a bandeira da luta contra a corrupção. Para além da brutalidade das ações, para além das violações, o ataque tenta esconder a importância da Universidade em todos os setores da vida do país. Focalizam as famosas operações anti-corrupção e sobretudo falam da crise e dificuldades de financiamento. Estas são as mesmas pessoas que batem palma ou escondem o fato de que este governo isentou as petroleiras de vários impostos, dando a elas um lucro de trilhões. Depois de falirem a UERJ, pela má-fé e pelo desprezo intencional do governo federal, usam os problemas da UERJ, para clamar por privatização das Universidades. E mais uma vez usam a bandeira da luta contra a corrupção para destruir a imagem da Universidade Pública e quiçá destruir toda a estrutura de conhecimento neste país. Esta é a forma mais perversa de nos condenar a uma eterna submissão. Usam aquela máxima: em tempos de crise, quando há sangue nas ruas é hora de lucrar.

E para deixar cristalino os interesses internacionais no golpe, e o timing no ataque às universidades, a mídia propagandiza um relatório do Banco Mundial, afirmando a necessidade de cobrar dos mais ricos a mensalidade nas universidades. As pessoas esclarecidas deste país e do mundo sabem que em lugar nenhum a estrutura de conhecimento e de pesquisa das Universidades é sustentado por mensalidades. O objetivo é destruir as nossas possiblidades num mundo onde conhecimento é talvez a única arma. A mesma mídia se cala com relação à notícia de uma Universidade privada que demitiu 300 professores, para readequa-los à “moderníssima “ legislação trabalhista ora implantada. Logo logo teremos os professores intermitentes nestas universidades. Como diz o setor financeiro, isto é eficiência.

Na televisão abundam os especialistas falando de alguns lugares no mundo , onde a cobrança foi instituída. Sem dados e ou escondendo dados fazem afirmações mentirosas. Pois se sabe que no mundo países sérios não deixam a produção de conhecimento e a formação de novas gerações, para os especialistas do mercado. Estes especialistas adoram dizer que estão defendendo os pobres, e querem acabar com os privilégios, mas foram os mesmos que defenderam a PEC do orçamento, que congela os gastos em educação e afetam sobremaneira a educação pública do ensino fundamental ao universitário. Portanto eles , como no caso da Previdência, não estão preocupados com os mais pobres mas sim estão preocupados em manter privilégios.

E que fique claro que o estímulo aos justiceiros é a cortina de fumaça para a submissão do país. A nossa mídia antes tão elitista, agora passa a maior do tempo falando das páginas policiais e destruindo a nossa auto estima. Assim fica mais fácil destruir o que temos de mais valioso.


Frederico Firmo é Doutor em Física Nuclear pela USP.

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