País está cavando o fundo do poço da depressão, por João Sicsu

Publicado na CartaCapital.


O Brasil mergulhou em uma profunda recessão nos anos de 2015 e 2016, perdeu mais de 8% do tamanho do seu PIB. O desemprego disparou, são quase 14 milhões de desocupados. A falta de demanda por produtos e serviços é prolongada. A taxa de crescimento dos investimentos é negativa desde 2014. O país tem características semelhantes àquelas que a economia norte-americana enfrentou durante os anos 1930.

Taxas de crescimento, positivas ou negativas, baixas e voláteis, são também uma característica das economias em depressão. Um pibinho é esperado para ser divulgado na próxima semana. Os viúvos da “recuperação” já estão lamentando o acidente que será anunciado.

O crescimento pífio de 1%, de 2017, não pode ser considerado uma recuperação, nem sequer, como querem crer os mais otimistas apoiadores do governo, que foi o início de uma recuperação lenta. Não existe recuperação com taxas pífias associadas a taxas de crescimento negativas do investimento.

Para sair de uma depressão, um país deve buscar a eliminação das causas recessivas primárias e, em paralelo, deve ser lançado um programa de recuperação dos investimentos privados a partir do lançamento de um programa de investimentos públicos. Isso é bem conhecido.

Como disse o Prêmio Nobel, Paul Krugman: “na Grande Depressão, os líderes tinham uma desculpa, ninguém realmente compreendia o que estava acontecendo nem sabia como resolver a situação. Os líderes de hoje não têm essa desculpa. Temos tanto o conhecimento quanto as ferramentas para acabar com esse sofrimento”.

No Brasil, as causas primárias recessivas permanecem. O mix de políticas econômicas contracionistas com contenção/limitação de gastos públicos e juros elevados não mudou. A crise política não dá sinais de arrefecimento, muito ao contrário. A Operação Lava Jato continua contribuindo para a sua manutenção e agudização.

A Petrobras e cadeias produtivas associadas entram em nova crise. Ambas já tinham sofrido com ações da Operação Lava Jato e com decisões do governo, como por exemplo, o fim da política de conteúdo nacional para a produção de embarcações, navios e plataformas – o que gerou prejuízos aos empresários e desemprego para milhares de trabalhadores.

Não há sentido social nas medidas adotadas pelo governo. Vejamos. Uma economia sofre choques, por exemplo: climáticos, que quebram safras ou sofre choques na taxa de câmbio e nos preços de produtos internacionalizados devido a movimentos especulativos ou episódios externos que não são possíveis de serem controlados ou, sequer, previstos.

Governos socialmente responsáveis adotam medidas para amenizar choques se e quando ocorrerem. Por exemplo, podem diminuir a velocidade e a intensidade dos movimentos de capitais especulativos para impedir variações abruptas da taxa de câmbio. Podem também aplicar políticas de desenvolvimento tecnológico para a indústria e a agricultura visando à autossuficiência de produtos internacionalizados, como o petróleo.

Nas últimas décadas, o mercado de câmbio de moeda estrangeira se tornou cada vez aberto aos movimentos de especuladores. Isso é grave, mas já estava aí. Contudo, o Brasil fez descobertas extraordinárias de reservas de petróleo. Se tornou potencialmente autossuficiente e, em consequência, poderia administrar no mercado doméstico o preço de um produto internacionalizado.

Em meio a uma grave crise econômica com características de uma depressão, o governo adotou uma série de medidas para tornar a produção e os preços domésticos dos combustíveis comandados pelo preço internacional do petróleo e, portanto, também pelas variações cambiais.

O preço internacional do petróleo subiu e a taxa de câmbio se elevou. Os preços dos combustíveis que são bens-intermediários dispararam. Há inflação de custos que se tornaram insuportáveis. Caminhoneiros estão parando o país. O temor cresce. A crise política se agrava. O governo está paralisado. Não é capaz nem de eliminar as causas primárias da crise econômica nem de lançar um amplo programa de recuperação. A profundidade do poço aumenta e o sofrimento será prolongado.

Fiquemos com duas lições de J.M.Keynes dadas durante a Depressão dos anos 1930. Ele sentenciou “... todos os governos têm grandes déficits [em uma forte contração econômica].” Portanto, a questão não é a existência de déficits públicos, mas sim onde deveriam ser utilizados os recursos tomados emprestados para cobrir esses déficits. Disse ele: “é muito melhor ... que os empréstimos sejam tomados para financiar obras públicas ... que para o propósito de pagar seguro-desemprego”.

A segunda lição é de ousadia e criatividade. Keynes via nas obras públicas uma atividade que empregava muito trabalho e que melhorava a qualidade de vida da sociedade. Então propôs: “... por que não demolir inteiramente o sul de Londres de Westminster a Greenwich, e fazer um bom trabalho aí – colocando para morar nessa área, próxima do trabalho, uma população muito maior que a atual, em edifícios muito melhores e com todas as facilidades da vida moderna e, ao mesmo tempo, provendo milhares de metros de praças e avenidas, parques e espaços públicos, tendo, quando tudo finalizado, alguma coisa exuberante aos olhos, e ainda conveniente e útil para a vida humana como um monumento do nosso tempo? Isso empregaria homens? Com certeza, empregaria!”
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João Sicsú é Professor do Instituto de Economia da UFRJ, foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.

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