1968: a juventude entra na cena política, por Luiza Dulci

Publicado no Teoria e Debate.


Se a juventude não é futuro, mas presente, o que, nós, jovens, podemos aproveitar, resgatar e aprender com os jovens daquele momento?

Maio de 2018. Cinquenta anos do ano que não terminou. Cinco décadas dos protestos iniciados por estudantes franceses e cujos desdobramentos abalaram o Ocidente e inauguraram o novo espírito do capitalismo, para relembrar a expressão que dá nome ao livro de Luc Boltanski e Ève Chiapello. Estes analisam 1968 como o momento inédito de encontro das críticas éticas (ou sociais) e estéticas ao capitalismo. Daí a sua potência singular.

Arriscamos dizer que pela primeira vez a juventude foi protagonista de um movimento de proporções globais e entrou para o mapa das lutas políticas e sociais no mundo. Foram dados os contornos de um movimento juvenil propriamente dito, estimulado à época pela contracultura dos anos 1960, com o movimento hippie, o feminismo, a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, o enfrentamento à guerra do Vietnã, a efervescência dos países do então “Terceiro Mundo”, as novas tecnologias, o rock'n'roll, a calça jeans e tantos outros aspectos. Nessas décadas vimos a consolidação da juventude como categoria social e política.

Cabe observar que a juventude de 1968 era constituída sobretudo por estudantes e jovens profissionais recém-formados nas universidades francesas, que passaram por enorme expansão no período pós-guerra. Vemos que ainda hoje perdura essa identificação quase automática e, portanto, imprecisa da juventude com o movimento estudantil. Até mesmo em países como o Brasil, em que a parcela de jovens estudantes é pequena em relação à juventude trabalhadora ou que estuda e trabalha. A mobilização daqueles jovens foi importante na medida em que abalou a percepção da juventude como um período de transição, de preparação para a vida adulta e que, portanto, leva à desconsideração de seus posicionamentos políticos e à negação do direito de viver a juventude enquanto tal. Porém, 1968 também veio reforçar uma visão romântico-idealista, com pressuposições sobre jovens revolucionários, contestadores e engajados, muitas vezes desconectadas dos territórios concretos da juventude. Ambas as visões encontram-se ainda hoje presentes em nossa sociedade, mas foram sendo contrapostas e desconstruídas a duras penas pelo processo de afirmação das juventudes nas décadas seguintes, processo esse que permanece em construção e em constante transformação, na França, no Brasil e no mundo.

A despeito dos questionamentos sobre o caráter verdadeiramente revolucionário daqueles eventos, se foram inflacionados e sobrevalorizados na história mundial, interessa-nos reconhecer sua importância para a história contemporânea ocidental. E talvez ainda mais importantes sejam os acontecimentos que vieram depois de maio, seus desdobramentos.

Estes abriram caminho para uma série de novas críticas éticas e estéticas ao capitalismo. Diferentemente de maio de 1968, essas novas críticas são desencontradas e possuem escalas, direções e intensidades muito variadas. O capitalismo incorporou muito mais as críticas estéticas do que as éticas e o resultado é um mundo cada vez mais desigual e intolerante. Inexistente em 1968, o capitalismo neoliberal das décadas seguintes agravou sobremaneira esse cenário, pois veio minando a própria crença na política e na democracia.

Diante disso, o que fica de maio de 1968? Se a juventude não é futuro, mas presente, o que nós, jovens, podemos aproveitar, resgatar e aprender com os jovens daquele momento? Em que medida conhecer aquela parte da história e analisá-la criticamente nos ajudam a refletir e viver os dias de hoje? Inspiremo-nos no desejo de transformação da sociedade; na luta pela liberdade, pelo bem viver, pela igualdade racial e de gênero e pela livre orientação sexual; e, sobretudo, mantenhamos vivos os sonhos, as utopias e a crença de que as mudanças são possíveis. Nos diriam os jovens de 1968: sejam realistas, exijam o impossível.
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Luiza Dulci é militante da JPT, integra o Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo. É economista (UFMG), mestre em Sociologia (UFRJ) e doutoranda em Ciências Sociais, Desenvolvimento e Agricultura (UFRRJ).

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